10 de abr. de 2014

VIDEO GAME AINDA NÃO É ARTE



Foi se a época em que o video game era mero entretenimento com o único propósito de distrair sem acrescentar. A indústria de jogos eletrônicos já é economicamente relevante e a opinião de seu público ganha peso cada vez maior na sociedade. Ser reconhecido como esporte e/ou arte e os debates que vêm sido feitos não são caprichos, mas de extrema importância para o que virá a ser referência para a atual geração.

"Arte ou é plágio ou revolução" - Paul Gauguin

Em primeiro lugar, é preciso deixar de lado opiniões infundadas sobre o que é arte. Arte não é só beleza e criatividade, é uma questão filosófica mutável da qual não convém tratar no momento. Dito isso e levando em consideração definições de artistas cuja relevância atravessam os tempos, arte é, em poucas palavras, a representação estética de idéias e emoções do artista com o propósito (não comercial) de mudar ou fazer enxergar os sentimentos de qualquer época ou sociedade. 

 "Arte é a assinatura das civilizações" - Jean Sibelius

Um dos pontos levantados pelo crítico de cinema Roger Ebert (1942-2013), que entendia que o video game jamais será arte  era o fato de ser composto por regras, desafios, objetivos e interatividade, com intenção exclusivamente comercial. Seu ponto de vista, embora definitivo (o que vai de encontro à essência de qualquer elemento cultural), não pode ser de pronto descartado. Qualquer jogo tem como fim vender e embora pintores, escultores, músicos e escritores também procurem o retorno financeiro, é a expressão estética da natureza e dos sentimentos que norteiam seus trabalhos. 

Mass Effect 2 (EA) - fez parte da exibição no Smithsonian em 2012 fonte: Smithsonian Magazine, março/2012 

Kellee Santiago, designer e produtora da Thatgamecompany (Cloud, Jorney, Flowers), diz que os video games estão amadurecendo como expressão artística e devem ser considerados arte não só pela estética, como por mudar e influenciar o ponto de vista dos jogadores no que se refere à questões morais, filosóficas e fundamentais da vida. Embora os jogos que produz possam ser visto sob esse prisma, temos que admitir que o que pode ser aplicado para a minoria não deve ser generalizado. Quantos video games têm esse propósito? 

Beyond Two Souls (Quantic Dream) ganhadora do prêmio Bafta pela arte

Que o design dos jogos pode ser considerado obra de arte, não há dúvida, o MoMa tem uma ala dedicada aos video games com o suporte da curadora que acredita serem formas de arte contemporânea. Mas, é apenas o seu conceito a vertente da homenagem, parte de um todo e, portanto, insuficiente para uma declaração definitiva.

Há de se reconhecer que representam um grupo culturalmente relevante na sociedade moderna. Ser um gamer não é apenas ser um jogador, é uma escolha de estilo de vida que forma um subgrupo com linguagem, hábitos e comunicação distintos. Mas, isso não basta para a questão em si, pois a expressão de uma cultura é apenas um dos aspectos de uma obra de arte. 

Embora as considerações acima acabem sendo uma questão de opinião - que a maioria oferece sem argumento - seria leviano desconsiderar as razões de quem as oferece com ponderação e avaliação cuidadosa. 

Minecraft está entre os jogos expostos no MoMa

Juridicamente falando, o ponto de vista se tornou determinação com força de lei nos Estados Unidos. A Suprema Corte decidiu, em junho de 2011, que o video game deve ser considerado uma forma de arte. A vitória da comunidade garante a liberdade de expressão que vem sido atacada por psicólogos, educadores e políticos que propõem censurar partes ou o todo de um jogo. Embora isso ainda venha acontecendo, as produtoras têm agora instrumentos jurídicos para se defenderem. 

Dead Rising 3 (Capcom) - proibido na Alemanha pelo BPJM (Bundeprüfstelle für jugendogefährende Medien) por ser considerado mídia prejudicial aos jovens

De fato, seria uma infelicidade se os criadores fossem limitados à questões morais. O grotesco, a violência e o antiético são inerentes ao ser humano e não devem ser ignorados na expressão da cultura em geral. Afinal, o cinema não deixa de representá-los simplesmente porque são errados. O que não parece ser compreendido por muitos é que existem maneiras de fazê-lo que podem ser considerados ofensivos ao ponto de se tornarem proibidos. E neste ponto entra a habilidade do artista em provar que a obra nada mais é do que a interpretação da natureza  e não um instrumento de propaganda. Leonardo da Vinci dizia que "Arte é a rainha de todas as ciências que comunica conhecimento à todas as gerações do mundo."

Braid (Number None) - exemplo usado por Kellee Santiago por explorar as relações que temos com o passado 

A ausência de jogos que possam falar a todos em qualquer tempo, sem interesse pecuniário e, consequentemente, sem comprometer o artista, atendendo somente aos desejos do consumidor, deveria ser prova suficiente de que o video game não é arte. Mais ainda, a presença de regras e objetivos, e a impossibilidade de identificar a idéia de um só indivíduo descaracteriza a própria essência da arte. Uma obra não é fragmentada em design, jogabilidade e enredo, mas é o todo como expressão maior e absoluta.

Pode ser que uma corrente independente esteja se formando e que isso venha a se modificar - o cinema demorou para ser considerado uma forma de arte. Mas, por enquanto, além dos direitos assegurados por lei, os video games incorporam muito pouco para fazerem parte do rol das artes. 


Por Tsu  Matsubara


6 comentários:

  1. O que mais diferencia um vídeo game de arte é o fato de que eles possuem regras pré-definidas e objetivos específicos a serem concluídos. Não são livres como a arte e embora alimentem a imaginação, na maioria das vezes acabam conduzindo os jogadores a um ponto de vista em comum.
    Mas o que dizer de Minecraft, um jogo que nos permite criar?
    Embora este tenha algumas regras, ele deixa o jogador se expressar através da criação geométrica. É uma caso bem peculiar e intrigante neste debate.

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    1. Olá Start Astos. Não poderia concordar mais com a sua opinião. Minecraft é realmente sui generis, talvez por isso esteja entre a coleção do MoMa. Acho que são as regras e objetivos que nao deixam mesmo que entre nas artes. Gostei do teu comentário.

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    2. Olá Star!
      Você fala sobre "regras e objetivos" serem um fator limitante para que jogos possam ser considerados arte. Mas será que não poderíamos dizer o mesmo das velhas e manjadas estruturas de roteiros dos filmes hollywoodianos? O que você acha?

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  2. Por nada Margarete. Aliás, tenho visto o blog e gostei pq é difícil encontrar algum que de fato produza conteúdo e não fique apenas no CtrC + CtrV. Muito pertinente a abordagem do post. Estarei acompanhando.

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  3. "Uma obra não é fragmentada em design, jogabilidade e enredo, mas é o todo como uma expressão absoluta expressão maior e absoluta". Acho que nesse ponto encontramos uma certa "contradição", se o cinema é considerado também uma obra de arte, julgando por esse argumento ele não deveria ser, já que a produção de um filme também envolvem varias fazes desde, roteiro, maquiagem, interpretação, efeitos especias, etc.. Acho que o modo como a "arte" é feita não importa, mas sim o produto final. A arte é um elemento que consegue impactar o ser humano de alguma forma emocional, é o que acontece com muitos jogos.

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